O Começo Depois do Fim
Capítulo 484 – Estável
ARTHUR LEYWIN
Quando o sol de Epheotus nasceu, juntei-me aos muitos dragões que se reuniam para meditar ao redor da fonte que deu a Everburn seu nome. Nos primeiros dias, eu olhei em volta para os dragões, encantado por sua variedade. Estar nesta cidade me fez perceber o quão pouco do mundo asura eu havia visto. Agora, no entanto, com o Gambito do Rei queimando na parte inferior das minhas costas, eu só prestava atenção ao meu entorno com uma parte da minha consciência, e isso era mais para garantir minha segurança do que para admirar os asura.
A maior parte do meu esforço consciente estava direcionada para a fonte. Dentro de um círculo de pedras de nove metros de diâmetro, havia éter tão denso que se acumulava como água borbulhando de um poço profundo. De acordo com os moradores locais, o poço realmente perfurava as fronteiras do mundo, permitindo que o éter vazasse de fora dos limites de Epheotus, o reino etéreo. Era um sacrilégio entrar na Fonte de Everburn, mas isso não me impediu de verificar se a mitologia era baseada em fatos.
Do pseudo-líquido borbulhante, jatos finos de fogo roxo subiam como gêiseres. Eles chegavam a mais de três metros de altura e depois diminuíam até ficarem com apenas meio metro, para em seguida aumentarem novamente. Havia um padrão complexo nas explosões, juntamente com um gêiser singular no centro da fonte etérea em chamas que regularmente subia a mais de seis metros acima de nossas cabeças. Cada explosão era acompanhada por uma liberação de éter, e era essa efusão que os dragões se reuniam para meditar.
Os dragões não podiam absorver éter como eu, mas mesmo assim usavam a intensa concentração de energia atmosférica para meditar em suas artes de vivum, aevum e spatium. A densidade na Fonte de Everburn tornava essa prática muito mais fácil, assim como ajudava meu próprio processo de recarregar meu núcleo de três camadas após drená-lo até o ponto de represália.
“Vejo que está de volta novamente, humano.”
Olhei para a pessoa que falava, uma mulher de cabelos rosa que, se fosse humana, pareceria de meia-idade. Escamas lustrosas, um pouco mais claras do que sua pele clara, rodeavam seus olhos e desciam pelas bochechas, mesmo em sua forma humanoide. Eu a tinha visto na fonte todas as manhãs, mas ela ainda não havia falado comigo.
Abaixei-me sobre os joelhos a alguns metros do círculo de pedras antes de me dirigir a ela. “Minha própria meditação deve estar concluída esta manhã, depois da qual não incomodarei mais sua cidade.” Deixei implícito que ainda estava ali apenas porque Kezess não havia se dado ao trabalho de me buscar ainda. Myre apenas havia dito que eu deveria descansar e me recuperar, e que, quando estivesse pronto, seu marido se encontraria comigo.
Fechei os olhos e alcancei o éter, trazendo-o para o meu núcleo. A sensação trouxe uma energia revigorante e uma claridade iluminadora. Pés calejados esfregaram contra os ladrilhos de pavimentação, e uma presença poderosa se estabeleceu ao meu lado. “Sua absorção do éter aqui tem sido motivo de muita consideração entre nós. Há aqueles que veem isso como profano.”
O principal ramo dos meus pensamentos estava voltado para dentro, focado na absorção e purificação do éter. Ainda assim, mesmo com apenas alguns fios do Gambito do Rei, eu conseguia ficar atento à asura o suficiente para ouvir a pergunta em suas palavras. “Você quer entender como é para mim.”
“Eu gostaria, sim,” ela disse, com um leve sorriso na voz. “Não podemos julgar suas ações se não as entendermos, e sua magia é algo que nem os mais antigos entre nós já viram.”
Algo na curiosidade dela me chamou a atenção. “Você não teme irritar seu lorde fazendo tais perguntas?”
“Não fiz nenhuma pergunta,” ela respondeu. O tecido roçou sobre a pele enquanto ela encolhia os ombros. “Estamos apenas conversando, buscando um meio-termo. Compartilhe apenas o que desejar.”
Considerei suas palavras. Distraído, o ramo principal do meu foco se voltou para ela, e abri os olhos para encontrar seu olhar prateado brilhante me estudando cuidadosamente. “Quem é você?”
Os cantos dos seus olhos se enrugaram de diversão. “Já faz dias que você descansa em minha aldeia, repõe suas forças com minha fonte, e ainda assim não me conhece? Eu ficaria insultada, se não soubesse que você foi privado desse conhecimento de propósito. Lady Indrath teve suas razões, sem dúvida, mas ela também não me proibiu de falar com você. Meu nome é Preah, do Clã Inthirah, e Everburn é meu domínio.”
Inclinei-me em uma leve reverência. “Lady Inthirah. Perdoe-me, eu não percebi que estava falando com uma nobre.”
Ela suspirou levemente e se virou para olhar a fonte, as chamas roxas refletidas na superfície de seus olhos prateados. “Talvez antes, quando o Clã Inthirah era como uma irmã para o Clã Indrath, meus antepassados insistiriam no reconhecimento da nobreza, mas já faz muito tempo que qualquer dragão que não seja do clã Indrath foi considerado nobre.”
Ela falou sem amargura. Na verdade, senti mais orgulho do que qualquer outra coisa na inclinação do seu queixo e na inflexão da sua voz. “Meu papel como Lady de Everburn não exige que eu seja nobre, mas que eu fale em nome do meu povo e garanta seu bem-estar contínuo. Neste momento, aprender sobre sua interação com o éter é como estou fazendo isso. Agora, você sugeriu que eu quero entender como é para você absorver nosso éter, e eu admiti que gostaria.”
Sua declaração foi deixada em aberto, convidando-me a retomar a conversa de antes da distração de sua identidade. “Não é muito diferente de como é para você usar mana. Ou, pelo menos, como é para um humano usar mana.”
“Mas e sobre o propósito inerente do éter?” ela perguntou, inclinando-se ligeiramente em minha direção. “Você não sente o impulso da intenção do éter?”
Pensei, imaginando o quanto, se é que havia algo, a dragão entendia sobre a verdadeira natureza do éter, como eu aprendi no marco. “Lady Myre explicou a experiência dos dragões com isso em detalhes. Eu não experimento da mesma maneira.”
“Estranho,” ela disse. Seus dedos traçaram o espaço entre duas pedras de pavimentação, e seus olhos perderam o foco enquanto olhava para o nada. “E é por isso, claro, que Lorde Indrath está tão investido em seu mundo. Ele busca um verdadeiro entendimento de suas habilidades.” Ela se concentrou em mim, e suas sobrancelhas se uniram em uma suave carranca. “As mais antigas de nossas lendas falam de dragões que poderiam fazer o que você descreve. Não... absorver o éter, mas manejá-lo tão facilmente quanto mana.”
“Foi esses asura que trouxeram Epheotus aqui do meu mundo,” eu disse.
“Algo está errado?” Preah perguntou de repente. Ela tinha se afastado e estava me olhando como se eu fosse uma fera perigosa.
Percebi que estava franzindo a testa. Estava pensando nos eventos que fizeram o éter se afastar dos dragões, diminuindo sua capacidade de manejá-lo livremente. Tentei suavizar minha expressão. “Eu... peço desculpas. Ainda estou me recuperando de um desafio. Às vezes... minha mente divaga.”
Preah pigarreou e afastou uma mecha de cabelo rosa do rosto. “Bem... sim. Claro. Vou deixá-lo para sua meditação. Talvez possamos falar novamente. Quando você estiver se sentindo melhor.”
Apenas acenei minha apreciação antes de me virar novamente para a fonte. Meus olhos se fecharam novamente, e eu retomei o foco em absorver o éter. Distante, senti a Lady do Clã Inthirah se afastar.
Dentro de uma hora, meu núcleo estava cheio. Algo como uma ressaca persistia devido à intensidade do efeito colateral, mas eu tinha certeza de que isso também desapareceria com o tempo. Mais satisfatório ainda, a sensação de incômodo em meu núcleo ferido não havia retornado. A cicatriz do ataque de Cecilia estava curada.
Enquanto caminhava pelas largas ruas de Everburn em direção à propriedade onde estávamos hospedados nos últimos dias, os olhos de cada asura que eu passava me seguiam. Eu me pegava estudando suas assinaturas de mana, comparando uma com a outra e depois com a de Tessia, cuja assinatura pairava na beira da minha percepção.
Os asuras eram poderosos, é claro, mas a maioria deles era muito menos do que Kezess ou Aldir, ou até mesmo Windsom. Os dragões que defenderam Dicathen—Vajrakor, Charon e seus soldados—também eram bastante fortes em comparação ao dragão médio realizando suas atividades diárias em Everburn. Estas pessoas eram agricultores, comerciantes e subordinados. Uma vez, eu tinha assumido que todos os asura eram tão poderosos quanto Windsom, e embora agora eu soubesse que não era assim, ainda era interessante ver asuras que eram apenas ligeiramente mais poderosos do que um mago de núcleo branco.
‘Isso coloca sua situação em uma perspectiva diferente, não é?’ Sylvie perguntou, sua voz como uma brisa fresca em minha mente. Entrelaçado em seus pensamentos estava o foco em uma conversa que ela estava tendo com um punhado de outros dragões do outro lado de Everburn.
Assim como os alacryanos, eles são um povo à mercê de seu lorde, respondi, passando por uma jovem dragão que parecia, aos padrões humanos, ter não mais que doze ou treze anos de idade. Seus olhos âmbar saltavam entre mim e o chão aos seus pés de maneira desajeitada enquanto ela tentava, sem sucesso, não encarar. Levantei a mão para acenar, mas ela apenas se afastou apressadamente.
‘O que você acha de Lady Inthirah?’
Não tenho certeza, admiti. Ela parece protetora. Curiosa. Não é particularmente fã do seu avô. Por quê?
‘Eu estava apenas pensando naquilo que ela disse. Que o clã dela havia sido como uma ‘irmã’ para os Indrath. É estranho que Myre me apresentou a outros dragões aqui, mas não a ela.’
Pensei sobre isso com um dos ramos menores dos meus pensamentos alimentados pelo Gambito do Rei. Talvez você devesse conhecer melhor Preah.
Meu vínculo silenciosamente concordou.
Alguns minutos depois, encontrei minha mãe sentada a uma mesa no pequeno jardim da frente da nossa propriedade emprestada. Ela colocou uma caneca fumegante e sorriu para mim. Embora a expressão fosse calorosa, havia preocupação dentro dela, como vermes em uma maçã. “Arthur,” ela disse, gesticulando para a cadeira oposta à pequena mesa. “Você vai se sentar comigo?”
“Claro.” Sentei-me na cadeira, que era feita de grama azul trançada presa a uma estrutura metálica. “Está tudo bem?”
Mamãe apoiou os cotovelos na mesa, descansou o queixo nas mãos e me olhou seriamente. “Não.”
Meu pulso acelerou, e eu apertei os punhos ao meu lado. “Aconteceu alguma coisa? Foram os dragões? Apenas me diga quem—”
“Você, Arthur,” ela disse.
Eu a encarei boquiaberto. “O quê?”
“Arthur. Art.” Ela soltou um suspiro trêmulo. “Tessia precisa de você, e você está fazendo tudo o que pode para evitá-la. Isso não é apropriado. Não é justo.”
Eu esfreguei a nuca, balançando a cadeira nas pernas traseiras. “Eu não estou—” As sobrancelhas de mamãe se ergueram.
“Eu... não sei como estar perto dela,” admiti, sem conseguir olhar nos olhos da minha mãe. “Eu não sei o que dizer.”
Ela estendeu as mãos com as palmas para cima sobre a mesa. Descansei minhas mãos sobre as dela, e ela apertou meus dedos. “Aquela menina passou por algo indescritível. O corpo dela—sua magia—foram tirados dela. Ela se tornou prisioneira em sua própria carne. E quando finalmente recuperou isso, seu núcleo havia desaparecido. Ela quase morreu.”
“Eu a salvei,” apontei suavemente.
Mamãe estalou a língua. “Mas, ao fazer isso, o corpo dela passou por uma mudança. Ela não sabe como usar seu novo núcleo, e está presa em um lugar estranho onde ninguém, exceto você, poderia sequer esperar entender ou ajudar, e você passou dias tentando estar em qualquer lugar menos onde ela está.” Ela suspirou, deu às minhas mãos um último aperto e se recostou na cadeira. Só depois de tomar um gole de sua caneca ela continuou. “Você é a pessoa mais forte que já conheci, Arthur. Você pode lidar com um pouco de constrangimento.”
O calor subiu ao meu rosto, e senti minhas bochechas corarem. Ela estava certa, é claro. Eu estava agindo como uma criança.
‘Mesmo cataclismas ambulantes precisam de conselhos de sua mamãe de vez em quando,’ Regis interveio.
Apesar dos meus vários fios de pensamento congruentes, todos equilibrando diferentes tópicos, eu tive o cuidado de manter todos eles longe da minha conexão com Regis. Ele foi deixado para cuidar de Tessia, e eu não queria vê-la com dificuldades através de seus olhos.
Levantando-me, me movi ao redor da mesa e me inclinei para descansar minha testa contra a da minha mãe. “Obrigado,” murmurei.
“Para que servem as mães?” ela perguntou, fingindo exasperação, mas incapaz de esconder seu sorriso. “Eu não posso te dizer o que acontecerá a longo prazo, Arthur. Talvez você e Tessia realmente tenham passado por muita coisa para estarem juntos... romanticamente.” Eu me afastei, fazendo uma careta com a falta de jeito da minha mãe. Ela bateu no meu braço de forma brincalhona. “Mas ela é sua amiga mais antiga neste mundo, e ela precisa de você.” Seu sorriso se transformou em algo travesso. “Sua presença, sua orientação. Não seus músculos ondulantes.”
“Mãe,” gemi, apressando-me em direção à porta. “Eu retiro meu agradecimento.”
“Não, você não retira!” ela respondeu, em tom de repreensão zombeteira.
Empurrando a cortina para o lado, entrei na propriedade apenas para parar imediatamente, ainda lidando com a provocação da minha mãe e pego de surpresa quando me encontrei quase nariz a nariz com Tessia.
“Achei que tínhamos te ouvido lá de fora,” Ellie disse, passando por mim e segurando a cortina ainda balançando. “Estávamos indo comer alguma coisa antes de treinar esta tarde. Você deveria vir com a gente!”
Regis passou por nós e saiu pela porta, abanando o rabo. “Eu sei que não precisamos comer, princesa, mas eu, pelo menos, realmente, realmente gosto!”
Tessia olhou para Regis relutantemente. “Princesa?”
Balancei a cabeça. “Não pergunte.”
“Oh, certo,” ela disse, seu rosto caindo. “Hum, você não precisa vir com a gente, eu sei que está ocupado…”
“Na verdade, eu estava, uh…” Parei, minha mente em branco. Percebi que tinha esquecido de continuar canalizando o Gambito do Rei. Sem isso, meus pensamentos pareciam lentos e insubstanciais. Me dei um pequeno sacolejo, totalmente ciente dos olhos de Ellie nas minhas costas. “Minha intenção—quer dizer, eu estava esperando que pudéssemos... trabalhar juntos. No seu núcleo. Ajudar você a dominá-lo, quero dizer.”
“Oh!” Os olhos de Tessia se arregalaram, e ela deu um pequeno passo para trás. “Claro. Não estou com muita fome, posso treinar agora.”
“Você acabou de dizer que estava morrendo de fome,” Ellie disse. Eu olhei para ela, e ela me lançou um olhar feroz. “Arthur Leywin. Não ouse forçá-la a treinar sem almoçar.”
“Vou pegar algo rapidinho aqui,” Tessia disse, já se virando e correndo para a cozinha. “Vá em frente, Ellie!”
“Ah, tá bom, eu vou almoçar sozinha então,” Ellie resmungou baixinho, levantando as mãos e deixando a cortina cair na entrada. “Ei, e eu, não sou ninguém?” ouvi Regis dizer lá fora enquanto seguia minha irmã. “Ninguém quer passar um tempo comigo?”
A conversa deles foi se perdendo para mim enquanto a batida do meu pulso se intensificava a ponto de ecoar nos meus ouvidos. Eu segui Tessia até a cozinha e fingi não observar enquanto ela rapidamente devorava alguns pedaços de pão com manteiga e mel. Ela estava de costas para mim, e eu não acho que ela tenha notado minha presença. Quando ela começou a se virar, saí da cozinha e esperei.
Quando ela virou a esquina, não pude evitar dar uma risadinha.
Ela parou, com as mãos no cabelo enquanto fazia um rabo de cavalo. “O quê?”
Avançando, eu limpei algumas migalhas do canto da boca dela. “Não é muito digno de uma princesa fazer tanta bagunça ao comer.”
Uma de suas sobrancelhas arqueadas levantou ligeiramente enquanto ela retirava um lenço e limpava os cantos da boca. “Vou ter que ser mais cuidadosa, já que não sou mais a única princesa por aqui.”
Soltei uma risada surpresa, e a tensão derreteu.
“Então, o que você tem em mente?” A sobrancelha dela se ergueu ainda mais. “A menos que essa conversa de treinamento seja apenas uma desculpa para me deixar sozinha nesta casa…”
Engasguei-me com a minha risada, e por um momento pensei que o peso da tensão voltando poderia me esmagar. Lembrando do que mamãe tinha dito, fiz o melhor para me livrar disso. Eu só preciso estar presente. “Bem, pensei que, já que agora você tem um núcleo branco, deveria aprender a voar. É uma extensão natural do seu poder, proporcionada pela expansão do seu reservatório de mana e pelo aumento da sintonia com o... movimento da mana...” Um sorriso envergonhado se espalhou pelo meu rosto enquanto esfregava a nuca. “Desculpe. Provavelmente você não precisa de uma palestra sobre por que pode voar agora, considerando tudo.”
Não consegui ler a expressão no rosto de Tessia. Os olhos dela foram até as minhas mãos, como se estivesse considerando pegar uma delas, mas depois de um momento ela passou por mim e se dirigiu para a porta. “Eu entendo como as Lanças voam, e entendo como Cecilia voava, mas talvez esse conhecimento teórico me ajude a entender como eu posso voar.”
Desejando de repente que pudesse voltar no tempo, como fiz na pedra-chave, segui-a mais devagar para o sol. Mamãe, Ellie e Regis já tinham ido.
“Há um jardim tranquilo logo naquela rua ali,” Tessia disse sem olhar para trás.
Caminhamos em silêncio, passando por uma propriedade de três andares que estava quase completamente aberta aos elementos, uma cabana menor com um lago na frente cheio de peixes dourados cintilantes, e a estrutura de uma casa que parecia ter sido demolida e estava sendo reconstruída—bem, mais como sendo regenerada—por dois dragões. Seus movimentos conjuravam pedra branca do chão como as costelas de alguma grande fera.
Tessia parou para observá-los trabalhar por alguns segundos. “É como… poesia em magia.”
“Sim, é bem impressionante.”
Ela me olhou novamente com aquela expressão indecifrável e continuou. Passamos por uma abertura em uma cerca viva alta à nossa direita e nos encontramos em um jardim murado. Dezenas de tipos diferentes de flores cresciam ali, todas estranhas para mim. Algumas se moviam, a face de suas pétalas nos seguia como um girassol se voltando para o calor do sol. Vários aromas, tanto doces quanto amargos, se sobrepunham.
“Você conhece alguma delas?” perguntei, apenas querendo dizer algo.
“Não, mas são lindas,” ela disse de forma direta. “Eu esperava que alguém pudesse aparecer e se voluntariar para me ensinar sobre a flora de Epheotus, mas até agora os dragões têm se mantido afastados de mim.”
Pensei na minha conversa mais cedo naquela manhã com a senhora da cidade. “Acho que isso é obra da Myre. Ou mais precisamente de Kezess. Não tenho certeza de porque ainda estamos aqui. Ou ele está nos deixando de molho ou quer que tiremos algo do nosso tempo aqui. Caso contrário, estaríamos no castelo dele, em algum lugar. Talvez na cabana da Myre, onde fiquei quando ela me treinou antes da guerra.”
“Parece outra vida,” Tess disse. Ela fez uma pausa, como se tivesse sido pega de surpresa com suas próprias palavras. “Acho que, provavelmente não para você. Já que viveu duas vidas.”
“De certa forma, você também,” eu disse gentilmente. Abaixei-me diante de um bulbo roxo de caule grosso. Ele tinha uma aura etérica tênue. “Você viveu a vida de Cecilia junto com ela.”
“Estou na minha terceira vida, então?” Ela passou as mãos sobre uma flor dourada. Pólen cintilante subiu no ar, zumbiu ao redor do braço dela como um enxame de abelhas e depois se assentou de volta na flor volumosa. “Estou te vencendo.”
“Se você considerar a pedra-chave, eu vivi dezenas de vidas e vi o curso de um número incontável de outras.” As palavras saíram sem consideração, e senti seu efeito imediatamente.
Olhando por cima do ombro, encontrei Tessia imóvel, seus olhos fixos em um ponto entre dois canteiros de flores. Ela se sacudiu levemente e se endireitou. “Quantos anos isso faz de você agora? Algumas centenas de anos? Alguns milhares? Você parece mais asura do que homem agora.”
“Talvez. Se a idade combinada da minha vida vivida na Terra e da minha vida aqui representa a verdadeira idade da minha mente, talvez meu tempo na pedra-chave também deva.”
Tessia me deu um olhar triste, suas sobrancelhas caídas, seus lábios pálidos e fazendo biquinho. “Sinto muito, Arthur. Sei que fizemos uma promessa, mas não acho que possa estar com alguém que é vários milhares de anos mais velho do que eu.”
Eu ri, e ela me recompensou com um sorriso genuíno. “Só pediria que não tome decisões precipitadas, Princesa Eralith.”
Ela revirou os olhos. “Lá vem você com essa coisa de princesa de novo. Me chame de Tess, ou Tessia ou... meu amor, talvez. Qualquer coisa, menos princesa, ou eu usarei o nome que Regis tem para você em troca.”
Levantei as mãos. “Por favor, meu... ah, Tessia,” eu disse, tropeçando nas palavras, “qualquer coisa, menos isso.”
Ela puxou seu cabelo prateado, que brilhava quase como prata na luz suave do jardim. “Certo, então. Com isso resolvido, começaremos minha aula de voo?”
Fui para uma pequena área gramada entre as flores, caminhos e recursos aquáticos. Afundando em uma posição sentada de pernas cruzadas, acalmei minha mente e foquei no meu núcleo e no éter atmosférico, que era denso no ar. Tessia sentou-se à minha frente, copiando minha postura.
“Voar não é exatamente a mesma coisa que lançar um feitiço,” comecei, segurando o olhar de Tessia. “Você não molda a mana em sua mente, dando-lhe propósito e destino. Em vez disso, sua percepção aprimorada para mana e a capacidade de manipular a mana atmosférica ao seu redor quase inconscientemente através do salto de poder de um núcleo de prata para um núcleo branco permitem que você crie impulso enquanto a mana suporta fisicamente seu corpo. Isso é possível antes de alcançar o núcleo branco com treinamento e paciência, mas mesmo um mago de núcleo de prata elevado drenaria seu núcleo em momentos.”
“É estranho. Cecilia passou tanto tempo voando, mas é difícil equiparar o uso dela da habilidade ao meu.” Tessia olhou para o céu. “Ela simplesmente... voava. Nico, por outro lado, lançava um feitiço de vento que o carregava como uma carruagem invisível.”
Eu estava ciente das habilidades de Nico, concedidas por um cajado que ele aparentemente havia projetado. Era uma pena que o cajado tivesse sido destruído durante a batalha. Eu não tinha dúvida de que Gideon e Emily adorariam estudá-lo.
“Não tente controlar a mana e moldá-la ao seu redor assim,” eu a avisei gentilmente. “Em vez disso, simplesmente pense em subir pelo ar. Queira isso, como Cecilia fez. Você não terá a habilidade inerente dela, mas você tem um pouco da visão dela. Use-a.”
Ficamos quietos e silenciosos por vários longos momentos. A mana girava ao redor de Tessia, mas ela não se movia, não subia. Eu considerei tanto minha primeira vez aprendendo a voar após minha própria ascensão ao estágio do núcleo branco quanto meu reaprendizado após ganhar uma visão sobre o Gambito do Rei. Considerei ativar a runa divina então, para pensar melhor no caminho que Tessia precisava seguir, mas algo me impediu.
Em vez disso, permaneci em silêncio. Esta era a jornada dela. Eu... precisava apenas estar presente.
Um minuto passou, depois cinco. Depois de quase dez minutos, ela abriu os olhos. “Não entendo por que não consigo fazer isso. Já voei antes.”
Levantei-me e estendi a mão para ela. “Posso tentar algo?”
Ela segurou minha mão e se levantou, sua palma quente contra a minha. “Claro.”
“Levante seus braços para os lados,” instrui enquanto me movia para ficar atrás dela.
Tessia olhou para mim por cima do ombro enquanto seguia minhas instruções. Levantando-a pelos braços, nós dois começamos a flutuar no ar. Seus braços se tensionaram enquanto todo o peso de seu corpo se levantava do chão.
“Não se concentre. Sinta. Sinta o vento fresco, o ar quente, a mana sempre presente.” Subimos mais alto do chão. Eu podia sentir a mana agitando-se em seu esforço, mas ainda não estava acontecendo. Liberando um pouco do meu próprio éter, através dele, incentivei a mana a se mover ao redor de Tessia, empurrando-a e proporcionando sustentação. “Assim.”
De repente, o peso dela em meus braços diminuiu. Soltei meu aperto, oferecendo apoio, mas não mais sustentando seu peso.
Um tremor tenso percorreu seu corpo. “Não solte,” ela disse ofegante, sua voz tremendo de igual excitação e nervosismo.
“Eu ainda estou bem aqui,” assegurei enquanto ela flutuava para cima e se afastava do meu toque. Lentamente, desci de volta ao chão.
Uma brisa fez seu cabelo esvoaçar e a balançou levemente para trás. Ela soltou uma risadinha nervosa. “Acho... acho que estou pronta para tentar sozinha.”
“Vire-se,” eu disse, escondendo meu sorriso.
Devagar, ela fez isso. Uma ruga franziu sua testa enquanto ela olhava fixamente para frente, depois para baixo para me ver. Um suspiro escapou de seus lábios, e a mana que a sustentava se dissipou. Ela caiu.
Dei um passo à frente e a agarrei suavemente antes que ela atingisse o chão. Meus lábios tremiam com o humor reprimido. “Você foi ótima, Tess. Realmente. Aquilo foi—”
“Sim, muito bem, princesa Tessia,” uma voz disse por perto.
Os olhos de Tessia se arregalaram enquanto ela olhava para algo por cima do meu ombro. Ela deu um passo rápido para longe de mim e ajeitou sua saia. Eu não precisava me virar para saber quem tinha falado.
“Venha, Arthur. É hora de discutirmos eventos recentes.”
O éter correu do meu núcleo para o Gambito do Rei. Não o suficiente para ativar completamente a runa divina e invocar a coroa de luz, mas o suficiente para permitir que meus pensamentos se dividissem em vários fios individuais. Calculei rapidamente a melhor maneira de lidar com o confronto.
Colocando uma mecha solta de cabelo metálico atrás da orelha, afastei-me de Tessia. “Parece que teremos que continuar esta lição mais tarde. Talvez Sylvie possa te dar mais instruções na minha ausência.”
Do outro lado da cidade, a voz do meu vínculo entrou na minha mente. ‘Tome cuidado, Arthur.’
“Eu esperava que minha neta estivesse com você,” Kezess disse atrás de mim. O espaço começou a se dobrar ao meu redor, e por um momento, pude ver tanto o jardim quanto o interior da torre de Kezess contendo o Caminho da Visão. “Mas não importa. Haverá tempo suficiente para isso mais tarde.”
O feitiço etérico estremeceu até parar ao meu comando, e a sala de pedra nua desapareceu enquanto eu me afastava do poder de Kezess, prendendo-me firmemente ao jardim em Everburn. Só então me virei para encarar o lorde dos dragões, observando o leve movimento de suas sobrancelhas. “Por que não voamos? O Monte Geolus está próximo o suficiente, e eu gostaria de ver mais desta sua terra.”